sexta-feira, abril 9

O Boom dos Antidepressivos

O boom dos antidepressivos
Em cinco anos, a venda de antidepressivos no Brasil subiu 48%. Segundo especialistas, o aumento nas vendas desse tipo de medicamento se deve à prescrição exagerada da "pílula da felicidade", tanto por médicos de outras áreas quanto para pacientes sem depressão

As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para os próximos 20 anos não são das mais animadoras. Segundo levantamento da instituição, a depressão será, em 2020, a segunda doença mais prevalente do mundo, atrás somente do infarto agudo do miocárdio. Mas, em 2030, apenas uma década depois, o transtorno psiquiátrico — também conhecido como “doença da alma” — já ocupará a primeira colocação do ranking, à frente de outros males como câncer e aids.

A julgar pelos cálculos da OMS, os antidepressivos serão, em pouco tempo, o medicamento mais vendido do planeta. No Brasil, eles já são a quarta classe de remédios mais comercializados, depois de anti-inflamatórios, analgésicos e contraceptivos. Nos últimos cinco anos, segundo levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com base em dados do IMS Health, instituto que faz auditoria do mercado farmacêutico, a venda de antidepressivos em farmácias e drogarias cresceu 48%. Em 2003, foram comercializados 17 milhões de unidades — entre gotas, cápsulas e cartelas de comprimidos. Em 2008, esse número saltou para 25,9 milhões. Ainda segundo o IMS, entre 2005 e 2009, as vendas registraram, em reais, um aumento de 74%. Passou de R$ 560 mil para R$ 976 mil.

Esses números não surpreendem o psiquiatra Ricardo Moreno, professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Do ponto de vista da indústria farmacêutica, antidepressivo virou sinônimo de lucro. Afinal, eles são consumidos no mundo inteiro. E a prevalência da doença é alta na população em geral: algo em torno de 17%. Isso significa que uma em cada cinco pessoas terá pelo menos um episódio de depressão ao longo da vida”, avalia Moreno.

AUMENTO ABUSIVO

Segundo especialistas, o boom nas vendas de antidepressivos no Brasil pode ser explicado por dois motivos. O primeiro é que médicos de outras especialidades, como urologistas, ginecologistas e até pediatras, têm prescrito esse medicamento para os seus pacientes. “O mais curioso é que, de uns tempos para cá, os maiores prescritores de antidepressivos nem são os psiquiatras. São clínicos, neurologistas, geriatras. Até por conhecer bem os antidepressivos e, principalmente, os seus efeitos colaterais, o psiquiatra é muito cauteloso na hora de prescrevê-lo”, afirma o psiquiatra Raphael Boechat, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Ele acrescenta que, além da depressão propriamente dita, os antidepressivos já estão sendo receitados para casos de enxaqueca, obesidade, fibromialgia, ejaculação precoce, síndrome da fadiga crônica, entre tantos outros. Já imaginou se todos os médicos que não são endocrinologistas resolvem tratar diabetes???

O segundo motivo diz respeito à prescrição indiscriminada de antidepressivos para pacientes sem diagnóstico de depressão. “Não há a menor dúvida de que a depressão é uma das doenças mais incapacitantes que existem. E que, também, nunca foi diagnosticada como deveria. Mas as pessoas estão confundindo tristeza com depressão. E pior: tratando a tristeza como se fosse depressão”, salienta o psiquiatra Wimer Bottura Jr., presidente do Comitê de Adolescência da Associação Paulista de Medicina (APM) e membro da Associação Médica Brasileira (AMB).

SENTIR TRISTEZA É NORMAL
O médico psiquiatra Raphael Boechat, da UnB, concorda e vai além. Na opinião dele, o maior impacto que o aumento abusivo na venda dos antidepressivos poderá causar na população mundial é que, no futuro, ninguém mais saberá como lidar com as pequenas tristezas da vida, como a perda de um ente querido ou o fim de um relacionamento amoroso.

Mas como saber quando o que sentimos é tristeza ou depressão? Você está triste quando chora ao ver uma comédia romântica, dorme mais do que o habitual ou devora, sozinho, um pote de sorvete. Mas, por outro lado, está deprimido quando chora por horas a fio sem motivo aparente, sente dificuldade para dormir por mais cansado que esteja e não consegue, sequer, tomar pequenas decisões cotidianas.

Entre os principais sintomas da depressão, os médicos apontam baixa autoestima, perda de sono e de apetite e dificuldade de concentração. “As pessoas não querem entender que sentir tristeza é natural e próprio do ser humano. Por mais que se tente, não há como fugir dela. Se você está triste porque perdeu um parente, não tem de tomar antidepressivo. O pior é que há casos de médicos que, só porque o sujeito terminou o namoro, logo prescrevem um antidepressivo para ele”, lamenta Boechat.

SINAIS DE ALERTA

As pessoas deveriam estar mais atentas a certos sintomas que podem sinalizar um princípio de depressão. Inverter prioridades é um deles. Adiar decisões importantes é outro. As pessoas costumam dizer que fulano entrou em depressão porque quebrou a empresa. O que elas não sabem é que, na maioria dos casos, fulano quebrou a empresa porque já estava deprimido e não se deu conta disso. Um dos sintomas mais evidentes de depressão é quando a pessoa começa a inverter prioridades. Em outras palavras: começa a dar valor para o que é pouco importante e a deixar para depois o que é muito importante.
Até o momento, não há evidências de que os antidepressivos causem dependência ou tolerância. Mas produzem efeitos colaterais indesejáveis. “Os efeitos colaterais são os mais variados possíveis e vão desde ganho de peso até perda da libido. Algumas classes podem, ainda, produzir efeitos colaterais cardíacos e circulatórios”, alerta Ricardo Moreno. As pessoas têm medo dos antidepressivos, mas não sabem que os remédios que causam dependência são os ansiolíticos (para ansiedade) e os hipnóticos (para insônia).

Atualmente, a depressão atinge 121 milhões de pessoas no mundo. Só no Brasil, são 17 milhões. Desse total, 11 milhões são mulheres. “A incidência nelas é duas vezes maior do que nos homens”, avisa Boechat. E não é só isso: a média etária da primeira manifestação depressiva baixou de 40 para 25 anos. “A prevalência de casos de depressão em mulheres se deve às flutuações hormonais, que vão desde a menarca até a menopausa, passando pelos ciclos menstruais, a gravidez e o parto”, esclarece Moreno

OS TIPOS DE DEPRESSÃO
Alguns médicos já rebatem a subclassificação da depressão em leve, moderada ou grave. veja a nova divisão:
• Depressão endógena: nesse caso, em que a depressão tem origem genética, o uso de antidepressivos é inevitável. isso porque os portadores apresentam uma disfunção neurofuncional que só poderá ser corrigida pela medicação.

• Depressão reativa: também conhecida como depressão circunstancial, pode acontecer quando a pessoa está passando por alguma fase difícil na vida. O médico é quem deve avaliar o uso do medicamento ou encorajar o paciente a resolver seus próprios problemas por meio da psicoterapia.

COMBINAR MAIS DE UM REMÉDIO FUNCIONA?

Na maioria das vezes, os médicos prescrevem um único antidepressivo para combater a depressão. Mas, em alguns casos, pode haver o que os especialistas chamam de “combinação de remédios” para tratar distúrbios psiquiátricos como depressão, síndrome do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Nesse caso, pode-se interagir um antidepressivo com outro ou, então, com um sedativo ou, ainda, com um estabilizador de humor. Para alguns médicos, essa combinação proporciona uma maior eficácia no tratamento porque potencializa os efeitos dos medicamentos. Mas, para outros, tal prática pode ser perigosa porque toda e qualquer interação oferece riscos à saúde do paciente. A combinação de mais de um antidepressivo não é um procedimento normal. O ideal é começar sempre com um único remédio. Se o paciente não apresentar melhoras, aumenta-se a dosagem. Se não surtir efeito, troca-se para outra classe de medicamento.
QUANDO É FUNDAMENTAL TOMÁ-LO

Se não é aconselhável prescrever antidepressivo para quem não sofre de depressão, é igualmente perigoso deixar sem tratamento as vítimas da doença. O suicídio é o mais grave risco a que está sujeito o portador de depressão que não a trata corretamente. “Nestes casos, os antidepressivos são simplesmente essenciais”, esclarece o psiquiatra Ricardo Moreno. Segundo a OMS, a depressão está associada à morte de 850 mil pessoas por ano no mundo inteiro. Um paciente é medicado de seis meses a dois anos. A depressão apresenta três formas de evolução: aquela em que ocorre apenas uma crise e não se volta a ter outras; a segunda é a da evolução por surtos com a ocorrência de crises que podem durar mais ou menos tempo e, depois, remitir; e a terceira e última é aquela que, ao se instalar, não remite mais. “As estratégias farmacológicas visam a antecipar a remissão ou, pelo menos, manter os sintomas sob controle”, ressalva o psiquiatra Emmanuel Fortes.

Fonte de pesquisa: Viva saude

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