De tanto ver e ler que vida de cachorro hoje inclui moda, estilo, culinária e salões de beleza, procurei um personal dog stylist (é assim mesmo o nome no Brasil) para entender se os cães estão perdendo sua dignidade de animais. E se tornando fashion-victims (é assim em português…). Não é mistério que os cães hoje convivem com tinturas, escovas e hidratação de chocolate, chapinha, cortes Chanel, cílios postiços, piercings, pompons, joias, tatuagens e toda sorte de frescuras e breguices, até mesmo o bindi indiano, a bijuteria no meio da testa popularizada pela novela Caminho das Índias.
Muitos desses mimos divulgados pela mídia podem fazer mal à saúde física de seu animal doméstico, ou melhor, “pet”. Além disso, esses cachorros travestidos de humanos podem adquirir traumas e desenvolver atitudes anti-sociais. E acabam no divã. Ou melhor, no psicólogo canino. De tanto serem mimados, tornam-se cães malas e neuróticos – que latem para todos, fazem xixi em casa ou na cama do dono, e arrancam os próprios pelos para chamar a atenção.
Minha surpresa foi topar com um jovem dog-stylist extremamente sério, João Alt, de 26 anos, que é contra todos os exageros, e prefere mesmo não ser chamado pela expressão em inglês. Quase tudo, neste mercado, é em inglês. Dog care (cuidados). Dog walk (levar o cão para passear). Baby dog (cercadinho nos shoppings para o dono ir ao cinema descansado). E por aí vai.
João é um tratador particular de cães. Ele zela pela beleza do cachorro, por sua saúde e tranquilidade, enfim, por seu bem-estar. Na foto acima, que abre este texto, está um cão tratado por João Alt – sem frescuras nem modismos ou crueldades. O que é mais do certo, uma vez que um animal é um animal, as pessoas podem até chamá-lo de filho(a), mas emperequetar um cachorro, tira a personalidade do bichinho.
Eu mesma tenho uma maltêsa de 3 meses, a unica coisa que eu ponho nela é uns lacinhos pra levantar o cabelinho dela dos olhos e olhem ela é uma fofa. Pra que que eu vou tingir o pêlo dela, colocar piercing e etc... ela é linda do jeitinho que Deus a fez, pra que complicar tanto???
Quanto ao João, ele tem um amor genuíno por cachorros. Aos 12 anos, mudou-se com a família de Rondônia para Belém do Pará. O pai lhe deu um cão Yorkshire para ajudá-lo na adaptação em outro estado. O nome era Cawae (cauái – que quer dizer bonito em japonês). João começou a pesquisar e aprender tudo sobre cães. Ia a exposições, virou mascote dos grandes colecionadores, conheceu várias raças e passou a entender sobre estrutura, cor do pelo, e como deixar um cachorro impecável, valorizando o que ele tem de melhor.
Fugiu de casa para o Rio aos 16 anos. Trabalhava com exposições e em pet-shops. Dava banhos, fazia tosas. Mas tinha problemas com os dois tipos de trabalho. Nas exposições, logo descobriu que o QI (quem indica) era muito importante para garantir o primeiro prêmio – juízes também eram criadores, uns eram parentes, outros amigos, havia muito tráfico de influência… Nada muito diferente do Congresso.
Nas pet-shops, faltava tempo para um tratamento personalizado, mais cuidadoso. Em meia hora, diz João, é impossível dar um banho meticuloso. Ele se sentia frustrado, queria mais. Foi para a Argentina, ficou trabalhando em canis durante meses, comprou livros ingleses, fez cursos de educação animal, aprimorou seu conhecimento.
“Cães são muito sensíveis e eu queria dar atenção exclusiva a eles. Por isso, comecei há oito anos a atender a domicílio e ser meu próprio patrão”.
Mora em Ipanema, zona sul e nobre do Rio de Janeiro, tem 30 clientes cachorros fixos, alguns de um dono só. Às vezes, vai de skate até o Leblon, vizinho a Ipanema, onde alguns clientes moram. Um deles é o secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Cortes.
“A demanda do mercado só aumenta. Mesmo em crise, não para de crescer porque o amor do cão é o único que você pode comprar mas é verdadeiro. E as pessoas querem retribuir dando conforto”.
Volta e meia aparece algum dono pedindo a João “decorações” no cachorro que lhe parecem nocivas ou estapafúrdias. Ele precisa de toda a diplomacia do mundo para explicar (sem dizer que é ridículo) que não vai pintar um cachorro de azul e rosa.
“Eu amo cachorros, mas na natureza deles. Cães não têm de ser humanizados. Agora colam cílios, colam brinco, furam orelha. Colas quentes podem provocar dermatite. Não passo perfume, porque afeta o faro. Hoje, há uns perfumes doces horrorosos para passar no cachorro e que deixam um cheiro muito ruim no dia seguinte”.
João Alt não usa chapinha no pelo do cachorro e só recorre a um secador profissional. “Há pessoas que usam um soprador, que é um aspirador ao contrário. Seca antes de escovar e quebra o pelo do cachorro, sem deixá-lo viçoso. Com um simples secador profissional, a gente não corre o risco de queimar a pele do cão ou de traumatizá-lo. O banho já pode ser estressante para o cachorro. Por isso, todo o manuseio, o corte dos pêlos embaixo das patas para que não deslizem, tudo isso deve ser delicado. Eu os coloco no colo para os cortes de maior detalhe. No fim, todos esses adereços hoje na moda não são uma questão de status, como se diz, mas uma maneira de o dono chamar a atenção”.
Fonte de pesquisa: Revista Época
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário